quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

capítulo 2: UM IDEAL SERTANEJO DE NAÇÃO

UM IDEAL SERTANEJO DE NAÇÃO
Primeiramente, de acordo com o que foi percebido com a leitura do jornal “O PÃO”, a Padaria, assim como tantos outros meios intelectuais no Brasil, idealizou o sertanejo como figura típica, apresentando-o como um meio para defender a manutenção da cultura em detrimento do estrangeirismo da época. Esta medida está ancorada nos textos românticos de J. J. Rousseau, sobre o “homem natural”. ― Para Rousseau, o homem nascia bom e era corrompido pela sociedade, pela criação da propriedade privada; para ele, saúde, educação e habitação eram deveres do Estado.

O povo seria a fonte de toda a legitimidade.
No texto “Carta à Padaria” de José Carlos Júnior, da Padaria Espiritual, o jornal “O Pão” o padeiro critica a imitação que os homens do interior fazem aos da cidade, e estes por sua vez copiam a França, Inglaterra ou Espanha.

Não há peior desgraça para uma pequena cidade do interior do que chegar-lhe o caminho do ferro às portas. (...)
Ponham-lhe um caminho de ferro e hão de ver.

Vão-se a poesia e singeleza dos costumes, e começa o monstro de fogo a trazer da capital diariamente o espirito de imitação, (um espirito mais nocivo do que a canna) que faz com que as cidades pequenas vivam a macaquear continuamente as grandes da maneira mais burlesca e aleijona.

Não tardam vir chegando as cartólas e os pianos; besuntam-se as matutas com pó de arroz e os matutos com literatura, e apparecem pelas parêdes a torre Eiffel e o homem do bacalháo; o barbeiro adorna a sala com as inevitaveis odaliscas de physionomia ingleza ou hespanhola. Os trombones da localidade põem-se a estudar mezes inteiros a mais sediça das polkas em voga na capital; instala-se um club dansante, e um Palhabote em miniatura começa a esvasiar cerveja nas tripas da população.

(...) e alli está uma cidade civilisada e uma sociedade burgueza em toda a hediondez da expressão.

De tudo isso porem nada é tão (...) ridículo como (...) a linguagem de certos habitantes dessas cidadesinhas em presença de gente da capital. (...)
E vae sempre alteando a voz (...) e encompridando os vocábulos, muito embora lhes altere os sentidos, dizendo movimentação por movimento, progressividade por progresso, indiferentismo por indiferença, relutancia em vez de luta e assim por diante. (...).


Essa crítica é feita por que José Carlos Júnior vê no ato de imitar a pura perda da identidade. Contrapõe “civilidade” a marca cultural, fazendo do próprio trem um símbolo dessa “progressividade” sobre o qual ele descarrega todo o seu horror, enquanto idealiza a cidade pequena e distante como fonte de saúde, calma e beleza; coisas que, para ele, se perdem com o dito “progresso”.

Nesse âmbito, acreditamos que os integrantes da Padaria Espiritual na Fortaleza do século XIX, ― Sob o gládio da “progressividade”, para usar o termo de José Carlos Júnior, do poder local, que recolhia loucos e leprosos em espécies de campos de concentração e explorava a mão-de-obra dos pobres migrantes, num afrancesamento físico e intelectual. ― levantaram a bandeira de ódio à burguesia, movidos mais por esse ideal de imagem do nacional mestiço, no caso, o serrano e, principalmente, o sertanejo; figura mais tarde relembrada por Euclides da Cunha em “Os sertões”, onde narra o massacre ao destemido povo de Belo Monte, hoje conhecido por “Guerra de Canudos”:

(...) O brasileiro, tipo abstrato que se procura, mesmo no caso favorável acima firmado, só pode surgir de um entrelaçamento consideravelmente complexo.

Teoricamente ele seria o pardo, para que convergem os cruzamentos do mulato, do curiboca e do cafuz. (...)

Sabe-se que essa preocupação ocorreu em outros momentos da História, Monteiro Lobato na imagem do “Jeca Tatu” e no cinema Mazaropi, em seu personagem mais famoso, “Chico Fumaça”, fazem do caipira uma imagem de nação. José de Alencar, na busca de uma imagem-símbolo, fez do índio um herói nos clássicos “Iracema” e “Guarani”. A índia Iracema e o índio Pery tinham força sobre-humanas, o que nos faz crer num índio forte e corajoso, que podemos tomar por referencial a ser seguido, ou pelo menos lembrado, por todos os brasileiros, ou pelo menos pelos
que tinham acesso à leitura.

Para negar os ideais franceses era preciso implantar novos que os subjugassem, por isso, os padeiros vão ressaltar as festas antigas a denunciar toda a estranheza causada pela cidade em crescimento como a perda da identidade em si, sob um olhar melancólico daquelas coisas que nunca mais voltarão.

Viam na irreverência a melhor forma de combate. Assim como um soldado vai à guerra defender seu país, os boêmios lutavam com a intelectualidade num jornal com o nome dum alimento que permeia todas as classes, gritavam ódio à elite, mas, no fim, queriam seu respeito, e viravam ele próprios, boêmios cearenses, uma imagem de nação para o Ceará e para o Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário