quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

capítulo 3: OS PADEIROS NÃO ODIAVAM A BURGUESIA

OS PADEIROS NÃO ODIAVAM A BURGUESIA

Os tempos se modernizavam e os intelectuais apareciam em inúmeras agremiações, o que acabou por se criar a própria Academia Cearense (1894), que mais tarde veio a ser a Academia Cearense de Letras. Muitos fizeram parte de pelo menos duas agremiações; como Antônio Bezerra, que fora do Clube Literário (1886), da Padaria Espiritual (1894) e da Academia Cearense (1894).

Outro padeiro na Academia Cearense foi José Carlos Júnior que também fez parte do Clube Literário, assim como Antônio Sales, o futuro criador da Padaria, Rodolfo Teófilo e o próprio Antônio Bezerra (2ª. Fase).

O Centro Literário (1894 a 1904), o outro grande grêmio da época, teve, além de Antônio Bezerra e os dois expulsos da Padaria e possíveis fundadores do Centro, Temístocles Machado e Álvaro Martins, pelo menos mais cinco padeiros: Jovino Guedes, Rodolfo Teófilo, Almeida Braga, Lopes Filho e Adolfo Caminha, este último viria a ser expulso do Centro.

Apesar dos membros oscilantes e de ser da mesma época de inúmeros outros grupos intelectuais, a Padaria foi singular.

Em termos literários, dois artigos assinalam uma postura pré-modernista da Padaria que só seria retomada com a Semana de Arte Moderna de 1922.
Enquanto o art.14 proíbe “o uso de palavras estranhas à língua vernácula”, o art.21 estabelece que a Padaria julgará “indigna de publicidade qualquer peça literária em que se falar de animais ou plantas estranhas à fauna e à flora brasileira, como cotovia, olmeiro, rouxinol, carvalho, etc”.

Isso significa que, apesar de serem tão modernos quanto os demais grupos sociais médios e altos, de admirarem as novidades e consumirem as influências vindas de fora, os padeiros rejeitavam a imitação macaqueadora e apostavam numa produção literária com matérias e dizeres puramente nacionais.
Na crônica “Os quinze dias” de “O PÃO”, José Carvalho narra, com ar de deboche, as melhorias futuras do Ceará, denunciando a emigração do nosso povo para o ciclo da borracha na Amazônia.

Carvalho ressalta seu patriotismo no fim do texto, quando deseja que a taxa de cambio se equilibre, embora que de forma sarcástica ― “(...) aproximai os tempos em que no Brazil as pedras e as folhas tambem tenham o valôr de dinheiro, pra ver se assim subirá o nosso câmbio, e se poderão equilibrar as finanças do meu paiz (...) ” ― e seu bairrismo, quando imagina o Ceará importando mão-de-obra ao invés de exportar como sempre, além de deixar claro seu clamor ao deus cristão quando ressalta sua fé no padre Keneipe, que faria sua “cura d’água” a começar com seu instituto na antiga Conceição, que hoje é Guaramiranga.

(...) o Ceará tem experimentado um (...) provavel melhoramento de sorte.
(...) o Amasonas esgotou-lhe todo o seu precioso sangue. decepou-lhe os vigorosos braços e deixou-lhe exausto e debatendo-se quasi nas convulsões da miséria. Hoje o Ceará ensaia levantar-se e levantar-se-ha mercê de Deus. (...)
Está bem começada a (...) extração da borracha dos nossos infindos maniçobaes (...) está quasi na mesma proporção do Amasonas e é só isto suficiente para estancar a emigração e constituir inestimavel riqueza (...)
Abramos nossos braços para fraternalmente apertar as imigrantes coloniais polacas e em breve o Ceará será contado no número dos mais felizes estados da União Brasileira. Por minha parte, para esse fim, empenho todas as forças do patriotismo de que disponho e até se preciso poderei firmar um pacto com o governo (...)
E’ que vem nos chegando à porta com o Barão de Ibiapaba o prodigioso Padre Keneipe que tem assombrado o mundo com sua cura d’agua (...) Cearasinho preparai-vos para não fazer uma triste figura (...)
Ao lado dos resultados felizes do Instituto Keneipe que será levantado na Conceição de Baturité (...)
(...) quem haveria de dizer que veria um tempo em que todos os nossos males seriam curados com água(...)

Apesar da Padaria ser formada por “ rapazes oriundos dos setores médios e baixos da capital e do interior”, ela provou que revolução não se faz apenas com levante de armas, mas também com boas idéias. E nunca sem coragem.
O ódio à burguesia é também ódio ao estrangeiro, uma vez que eram estrangeiros os novos grandes burgueses no Encilhamento, quando Rui Barbosa propõe um plano econômico para gerar lucro mas que na prática só quebrou o país.

Mas na verdade não se trata de fato de ódio e sim de defender a identidade nacional que se perdia perante o estrangeirismo da época, o que aliás é uma constante na história do Brasil valorizar o que é de fora em detrimento do nacional.


(...) A Padaria elegera os modos de vida dos habitantes dos sertões e vilarejos como definidores do caráter nacional. (...) procurou elaborar uma identidade nacional ao seu público leitor, naqueles tempos em que os intelectuais e políticos buscavam uma imagem para representar a nação brasileira.


Os padeiros não odiavam a burguesia, pelo contrário, ansiavam fazer parte dela. Também não poderiam odiar os estrangeiros, em quem se espelhavam intelectual e culturalmente falando, só queriam que acabasse o imitar sem razão de ser, o que eles chamavam de macaqueação, e ao mesmo tempo não desejavam a “progressividade” que lhes roubava a calmaria dos velhos tempos a transmutar as tradições enquanto as capitais cresciam frenética e desordenadamente.

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